Contação de história bilíngue em escola inglesa

Sacred Heart School

Em 7 de março de 2013, contei em português, acompanhada da interpretação para o inglês de Maggie Smith, a história de “O mistério da mesa arranhada”para um grupo de 30 crianças entre 6 e 7 anos de idade, da escola Sacred Heart, situada no bairro de Islington em Londres. O evento, realizado para comemorar o Dia Mundial do Livro, foi promovido pela Associação Brasileira de Iniciativas Educacionais no Reino Unido (ABRIR), em parceria com a prefeitura de Islington, Londres.

Maggie e eu estávamos apreensivas por ser esta a primeira vez que iríamos contar uma história de forma bilíngue em uma escola inglesa. Iniciei o evento, anunciando e mostrando no mapa, que o português é a língua oficial do Brasil, de Portugal, de Angola, de Moçambique, dentre outros países do mundo. Muito nos tranquilizou o fato de haver um brasileirinho e um portuguesinho na turma, visivelmente emocionados com a chance de ouvir uma história em português, em sua própria sala de aula. Mas, todo o tempo eu me perguntava: ‘como iriam reagir as outras crianças?’

Aos poucos, descobrimos não haver motivo de preocupação, porque as crianças logo interagiram com os fantoches dos animais selvagens da história e se mostraram curiosas com os fatos apresentados a respeito destes. Durante toda a sessão, as maõzinhas levantadas eram muitas. As crianças se envolveram com o mistério na história, ‘sentindo-se detetives’, conforme apontou Elsa Rossi, que observou a sessão. Assim, elas se divertiram a eliminar culpados: ‘Que a boca do jacaré é grande demais’, intuindo que este animal não teria apenas arranhado a mesa, mas a destruido completamente. Perguntados sobre como a família, na história, poderia se livrar do rato, um menino sugeriu espalhar veneno nos dedos e esfregá-los no animal. Mais adiante, tendo as crianças descoberto o culpado, não faltaram sugestões para explicar suas razões: ‘que ele está com fome’ que gosta de comer pau’… Ou para solucionar o dilema da família: ‘trazer um galho de árvore’, ‘soltar o animal’. Quem sabe quantas outras ideias teriam aparecido se houvesse tempo para todos falarem? Perguntados sobre o que mais apreciaram na história, a turma respondeu ‘gostamos de tudo!’ Assim, a professora, que segundo Elsa Rossi, ‘…estava atenta, sorridente, e a tirar fotos’, decidiu, de acordo com o desejo expresso da turma, que continuaria a trabalhar com este livro em próximas aulas.

Maggie e eu presenciamos, sobretudo, a naturalidade com que as crianças ouviram e entenderam a história em duas línguas. Perguntadas, elas afirmaram ter gostado de ouvir a história em português e em inglês. Uma chegou a declarar que agora iria aprender o português. Foi, então, que Maggie perguntou o óbvio: ‘Alguém nesta turma fala outra língua, além do inglês?’ Resultado: metade da turma levantou a mão. Primeiro, manifestaram-se as crianças que falam línguas européias: italiano, espanhol, irlandês e polonês. E, então, as demais se encorajaram a responder, o que nos revelou haver na turma crianças que falam filipino (Filipinas), amárico (Etiópia), somali (Somália) e outras línguas da Eritreia e da Nigéria. Eu notei que algumas crianças estavam claramente orgulhosas de declarar sua língua, sua identidade. Por exemplo, um menino etíope aproveitou para nos ensinar que a Eritreia foi, um dia, parte da Etiópia. Fátima Lessa, que também no acompanhou como observadora, chegou a sugerir que o evento teria incutido nas próprias crianças a curiosidade de conhecer outras culturas. Deixo aos especialistas a tarefa de interpretar esta experiência. Da minha parte, concordo com a Maggie, ter sido ‘um privilégio atuar para uma audiência tão competente e interessada.’

(Fotos tiradas por Fátima Lessa e Elsa Rossi)