Visita à aldeia Anhetenguá

Quando jovem, ao examinar uma foto remanescente de minha avó materna, que não cheguei a conhecer, passei a acreditar que dela eu teria herdado traços indígenas. Por isso sempre alimentei o desejo de me aproximar dos índios brasileiros. Ao comentar com a amiga Rita de Cássia Campos Costa da minha curiosidade de saber como as crianças indígenas reagiriam aos meus livros, sem demora, ela me apresentou a uma colega Eliane Almeida de Souza, que é membro do movimento negro e indígena do estado do Rio Grande do Sul. Desde 2010, Rita de Cássia tem incentivado o meu trabalho e já agenciou  para mim mais de 20 eventos de contação de histórias em escolas públicas de Caxias do Sul, RS.

Eliane comunicou o meu pedido ao Cacique José Cirilo Morinico, da Aldeia Anhetenguá, de Porto Alegre. Estávamos bem na época das comemorações do Dia do Índio (19 de abril) e a aldeia vinha recebendo muitos visitantes. A questão indígena vem sendo muito debatida no Brasil neste momento e o cacique tem de preservar os residentes da sua aldeia do assédio frequente de pessoas e entidades que os procuram. No meu caso, Eliane explicou, o cacique quis ver uma foto minha contando histórias para crianças em algum evento anterior. Depois disso e tendo examinado a obra que eu sugeri contar, ele autorizou a realização de uma contação de histórias na escola da aldeia para o dia 24 de abril de 2014.

A Aldeia Anhetenguá, abriga vinte famílias da tribo guarani e situa-se na Lomba do Sabão em Porto Alegre. Segundo a Profa. Denise Wolf, presidente do IECAM, encontram-se hoje no Rio Grande do Sul, cerca de 33 mil índios, pertencentes às etnias Charrua, Caingangue e Guarani, os quais compoem cerca de 4% da população do Estado.

Atenta para não perturbar a cultura indígena em sua relação sagrada com a natureza, escolhi contar a história de O Mistério da Mesa Arranhada por esta conter animais familiares aos índios, como a onça, o jacaré e o papagaio. As crianças indígenas somente passam a ter contato com a língua portuguesa a partir dos sete anos de idade, quando se inicia o processo de alfabetização na escola da aldeia. Por isso solicitei a Jackson Ramos, o professor da escola, que durante a contação improvisasse a tradução do português para o guarani. Simplifiquei o enredo da história, usando vocábulos simples, ao mesmo tempo que ia apontando as ilustrações do livro para as crianças. O fato da obra estar ricamente ilustrada pela artista Petra Elster na forma de cenas que revelam a história de forma transparente, ajudou muito a sua compreensão pelas crianças.

Durante a contação, Eliane e eu observamos que tanto o professor como as crianças indígenas se encantaram com a história. As crianças participaram ativamente do evento: as menores levantando de suas cadeiras, apontando as imagens do livro e dando risadas; as maiores respondendo algumas questões que levantei no final. Deixei a aldeia com a vontade de ver meu livro traduzido para o guarani. De escrever histórias para as crianças indígenas. De conhecer a história dos índios brasileiros.