Entre 11 e 17 de maio de 2015, a British Academy ofereceu ao público uma semana de eventos gratuitos para celebrar contos de fadas e contos folclóricos. Foi uma excelente oportunidade para assistir e aprender com acadêmicos e escritores sobre o fascínio exercido pela literatura fantástica e mágica ainda na atualidade.
Segundo Marina Warner, é uma maneira de escrever inspirada pela imaginação, uma voz que vem dos sonhos, que nos leva a outros mundos, a um “mundo secundário”, misterioso. A voz do narrador não é uma voz histórica, mas sim uma voz imaginada, muitas vêzes na figura de uma mulher mais velha. Os agentes são fadas, bruxas ou gênios; mostram um comportamento imprevisível; são capazes de se transformar em outros seres e têm poderes ilimitados. Os seres humanos apresentam uma relação íntima com a natureza, que é intuitiva e animada: o pássaro pode se transformar numa pessoa ou vice-versa; galhos de árvores podem agarrar um passante, a princesa é transformada numa fruta.
Por outro lado, continua Warner, os contos de fada não são pura fantasia. Constituem encontros metafóricos com a vida real e tratam de temas como tradição, família, amor, miséria, fome, incesto, maldade e abandono de crianças em épocas de recursos escassos. E tais contos continuarão a ser relevantes até que estes problemas sejam resolvidos.
Durante um painel a respeito do apelo exercido pelos contos de fada, comentou-se que estas histórias foram originalmente contadas por adultos e coletadas e publicadas para eles. Entretanto, muitas adaptações ocorreram desde o final do século 18, e continuam através dos tempos, para sanitizar e de cristianizar os contos, com o propósito de socializar as crianças. Novas interpretações e transformações destas histórias continuam aparecendo hoje na literatura e no cinema.
Compareci ao evento porque queria entender melhor como se escreve um conto de fadas. Atrai-me o texto curto; a história que inicia com pouca descrição dos personagens e do contexto; um narrador que se aproxima muito do ponto de vista infantil e personagens que resolvem problemas por meios mágicos. Já na história: “O segredo de Francisco“, publicada em 2014, eu havia utilizado alguns destes elementos para tratar do tema da rivalidade entre irmãos e do dilema do terceiro filho. Assim, Francisco, o irmão caçula, é sempre colocado em segundo plano pelos irmãos mais velhos. Ele quer, neste ano, vencer os irmãos na competição para apanhar doces jogados dos carros alegóricos na festa de aniversário da cidade. Francisco vence por meio de mágica, na história com a ajuda de Narf, um menino do espaço que é o seu duplo.
Venho contando “O segredo de Francisco” em escolas para crianças entre 6 e 10 anos de idade. Noto que elas aceitam a mágica com naturalidade e jamais se perguntam se o personagem Narf seria um amigo imaginário (algo que é sugerido na ilustração acima) ou se é “real” (se a visita de Narf aconteceu de verdade). Elas reconhecem a rivalidade entre irmãos e se identificam com Francisco, que é o irmão menor. Assim, não questionam o fato de que Francisco teria ganho a competição com ajuda externa. Ainda, quando os irmãos não entendem como o caçula teria apanhado mais balas do que eles dois juntos, deixei uma pista aos leitores: a piscada do avô para o Francisco (a sugerir que teria sido o avô que ajudou Francisco a coletar as balas). Invariavelmente, constato que as crianças deixam de considerar esta explicação pois preferem ficar no mundo da fantasia.